CaminhantesNão sei exatamente desde quando eu tenho o livro “O Monge e o Executivo”, de James Hunter, em casa, mas devo tê-lo comprado logo após seu lançamento em 2004. Nesta época, aos 33 anos, bem arquetipicamente, eu era feroz devoradora dos best sellers de business, em busca da nova teoria, da nova abordagem, de um toolkit qualquer que me tornasse melhor profissional, melhor gerente e melhor líder. Buscava aquilo que eu ainda não sabia, o passo-a-passo que todos nós devíamos seguir para alcançar o sucesso.

Deixei este livro guardado por um bom tempo e fui retomá-lo alguns anos atrás e, mais recentemente, com um cliente, o que me trouxe enorme prazer e reflexão. Foi neste trabalho que seus conceitos chegaram perto, efetivamente, mais uma vez comprovando a máxima de que a gente só aprende ensinando… Tratava-se de uma empresa na fase diferenciada, onde o fundador ainda era presente e precisava definir claramente a identidade para avançar para a fase integrada. Nesta mudança, a liderança sempre é chamada a participar, mas o que é lógico não é necessariamente compreendido (como eu, ao ler o livro) ─ e, muito menos, executado. A pergunta para a liderança era “como fazer as mudanças necessárias, trazer as pessoas e fazê-las não apenas compreender o sonho, mas sonhar o sonho junto?”. E realizamos algumas discussões sobre este livro.

Ele traz, de forma despretensiosa, alguns princípios de liderança, com a ressalva de que são “velhos como as escrituras, mas capazes de serem tão novos e revigorantes como o nascer do sol”. Em um ponto do livro, o autor defende que a verdadeira liderança, a que se sustenta ao longo do tempo, é aquela baseada em autoridade, que é a capacidade de levar as pessoas a realizarem coisas de bom grado, por sua influência pessoal; o que é bem diferente da autoridade pelo poder ou pelo cargo. E esta autoridade só existe se estiver ancorada em serviço e sacrifício, isto é, em identificar e servir às necessidades legítimas das pessoas. Tudo em torno de relações…

Neste ponto vou abrir parênteses, porque acho que, aqui, ainda existe uma confusão enorme (talvez advinda da nossa natureza, nossos preconceitos, nossa competitividade natural ou formação histórica), quando defendemo-nos dizendo que não podemos simplesmente atender às demandas dos subordinados, que isso seria loucura! A questão é que, quando se fala em servir e atender necessidades, não é o mesmo que atender às vontades das pessoas.

Muitas vezes, o servir pode resultar em algo que parece até ir contra o que o outro deseja, mas deve atender ao que ele precisa para crescer. Por exemplo: não posso aceitar a mediocridade (e pode ser aquilo que o outro quer) porque, como líder, acredito que o outro pode ser melhor. E, mais, que todos querem ser melhores; e é nessa necessidade que devo trabalhar. Isso significa servir, estar atento ao outro com uma capacidade de sacrifício nesta entrega – de tempo, dedicação, paciência, fé, reconhecimento etc  etc.

No livro, ele continua a construir seu raciocínio, dizendo que serviço e sacrifício só podem acontecer com amor. Não o amor sentimento, mas o amor que é comportamento em relação ao outro. Finalmente, este amor só pode ser construído com base na vontade, quando juntamos intenções e ações, quando escolhemos nossos comportamentos. Ou, de trás para frente: liderança começa com a vontade, na vontade de escolher amar, isto é, sentir as reais necessidades dos outros e, não, os desejos; servir e sacrificar, pois esta é a fonte da verdadeira autoridade ou influência; que, ao final, nos dá o direito de sermos chamados de líderes.

Ufa! O caminho é longo, não é fácil. O atalho do poder parece muito mais atrativo que o da liderança verdadeira, liderança facilitadora ou liderança servidora. No fundo, trata-se de fazer escolhas. Hunter decompõe a palavra responsabilidade me “resposta e habilidade”, pois, como seres humanos, “temos a habilidade de escolher nossa resposta”, independentemente do contexto, dos estímulos, exemplos, pressões, presenças ou ausências. Temos a possibilidade de escolher, de decidir pela resposta a ser dada a tudo isso, iniciando a mudança a partir de cada um.

Isso é escolha. E sempre temos escolhas. Para mim, pelo menos, isso soa encorajador e libertador, pois atinge a essência de ser.

Neste trabalho com o cliente, eu tive o privilégio de ver as escolhas acontecendo: entre estar cético e voltar a acreditar, entre esperar e iniciar, entre construir ou reclamar, entre ser parte ativa e passiva. Se o time da liderança está na página certa, o resto seguirá naturalmente. Na jornada de 200km, este foi apenas o primeiro passo. Mas é assim que se começa.