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O sol começou a brilhar lá fora, mas não estou aqui para falar do tempo.

Há muito quero falar sobre ser mulher executiva, e adio. Em época de mudanças intensas, ainda que tardias, bate o medo de ser inadequada, de atrapalhar mais do que ajudar. Dar a cara exige esforço e coragem.

Violento dizer que não temos lugar de fala: cada um tem o seu. Reduzida a alguma demografia, sou mulher, hetero, branca, 57 anos (nasci em 1965 não longe do AI-1), da antiga classe média alta carioca, portanto da elite socioeconômica, com muitos privilégios. O que não quer dizer que não tenha tido o que enfrentar, e nisto me encontro com muitas outras mulheres.

Não sei se existem pequenas e grandes violências ou se violência é absoluta. Não por, de forma alguma, querer diminuir as violências abrangentes, massivas, físicas, escancaradas, carnais. Mas por tentar não reduzir as violências sutis, morais, localizadas, disfarçadas, cínicas.

Minha avó e minha mãe ensinaram-me a buscar meu lugar na sociedade, e profissional. A “ir à luta”. Jamais ocorreu-me não trabalhar, não me expressar através de atividade produtiva, não ganhar meu próprio dinheiro. A calar-me.

Mas a barra mudou, que bom, e minha filha e sua geração e atitudes antimachistas me fazem ver que sim, calei-me. Ainda criança, não me calei na escola quando um colega levantou minha saia, nem no parque de diversões quando abordada no “túnel fantasma” por mãos que saltaram do escuro. Mas, jovem profissional, ao entrar no ambiente empresarial, para não “causar”, calei-me muitas vezes, por exemplo fingindo-me alienada ou tonta frente a “gracinhas dos homens” (nome que não ajuda, graça não há). Conformei-me quando preterida frente à promoção de colegas homens com o argumento de que eles tinham família a sustentar. Tive muitas vezes minha fala e opiniões menos escutadas que as de colegas homens, mais pelo gênero de quem emitia do que pelo mérito –, e demorei a perceber, imersa em machismo estrutural como todos estamos. Assim, aprendi a falar mais forte e alto, ser mais agressiva, e com toda uma geração, usar mais terno azul com ombreiras e menos adornos. Remodelada de bailarina a soldada em luta, passei a oprimir uma face mais conciliadora e delicada que hoje muito valorizo (e não necessariamente por ser mulher!).

A relação de empresas com pessoas colaboradoras tende a encorajar a conformidade, o enquadramento. Linguagem e discurso são ao mesmo tempo fruto e semente de cultura. Então, jogar luz sobre vieses inconscientes e cuidar da fala, da expressão, dos símbolos em seu ambiente profissional é ato de cidadania para criar a cultura em que você quer que as próximas gerações vivam e trabalhem, um dia.

Nada contra dar e receber flores, de forma geral, mas lembrando Criolo, “buquês são flores mortas”. Um bom presente para o Dia da Mulher é pôr viva atenção. Escutar ampla e profundamente. Acordar para vieses inconscientes. Avaliar se tem adiado a promoção de uma mulher, e por quê. Dar oportunidade de fala para compreender como tem sido “ser mulher” em sua organização, área, ou família pode ser transformador para você, para elas e seus colegas, para todas e todos nós, e para nossas filhas e netas, filhos e netos.

Vamos experimentar?

Por Paula Saboia