Esta questão acaba, de uma forma ou de outra, mostrando a nossa relação com o dinheiro. Vários autores, não necessariamente, economistas estão trabalhando com esta ótica. Tive a oportunidade de encontrar-me, recentemente, com Lynne Twist, americana, autora do livro “The Soul of Money” – A Alma do Dinheiro (ainda sem tradução para o português) – que desenvolveu uma abordagem bem profunda acerca do dilema escassez x abundância x suficiência. “A maioria das pessoas se sente mal em relação ao dinheiro”, diz Lynne.
Uma outra consultora, Sukie Miller, dizia que o grande tabu de hoje é a transparência em relação ao dinheiro. Já compartilhamos muitas informações, inclusive sobre questões que nossos pais ficariam rubros, mas o dinheiro acaba sendo um segredo, por exemplo, para a maioria dos casais.
É bem interessante perceber que, independente de termos pouco ou muito dinheiro, todos nós temos medo da nossa relação com o dinheiro. Se temos muito, ficamos com medo de perdê-lo. Se não temos, receamos ficar à margem da sociedade, excluídos. Outro ponto é que todos pensamos que ao termos mais, seriamos mais felizes. Mas, isso não acontece.
Se formos na origem do dinheiro, ele surge como meio de troca para facilitar as relações entre os seres humanos. “Facilitar”! O que aconteceu para que ele se tornasse um dificultador das relações? Estamos sobre o efeito de nossa própria criação. Atribuímos um valor e um poder ao dinheiro que faz com que, ao invés de cidadãos, nos tornamos consumidores. Consumo de recursos e de sentimentos. Estamos destruindo as coisas ao invés de co-criarmos uma sociedade saudável. Portanto, estamos nos tornando menos seres humanos. Nos consumimos nas organizações para poder consumir fora dela, poder sobreviver. Como fazer com que as pessoas amem mais o que fazem e daí ser recompensados por isso?
Temos que lidar e transformar alguns mitos tóxicos relacionados por Lynne Twist.
O primeiro é o mito de que Não há Suficiente. Sabemos que há lugares nos quais não há realmente o suficiente. Faltam recursos, sobram problemas, aparentemente não há soluções. Mas, isso não é verdade em tudo. É uma crença que se espalhou na nossa vida – não dormimos o suficiente, não estamos com as pessoas que amamos o suficiente, não ganho o suficiente, não sou suficiente. O pior é que isso nos leva a uma outra crença – se não há o suficiente para todos, então alguém vai sobrar. E que não seja eu. Tenho que me proteger e proteger aos meus para que não falte para eles. Defendo com unhas e dentes para não ficar excluído do processo. Só me coloco à disposição dos outros quando me sinto seguro o suficiente.
O segundo mito é o do Mais é Melhor. Somos estimulados a ter mais necessidades. Se implantamos um sistema moderno, logo os usuários pedem mais coisas. Compramos um celular e aparecem novas funções que o tornam obsoleto. Se ganhamos uma promoção, o que aumentamos nos ganhos se transforma em consumo e dívidas. Será que estamos considerando a real necessidade das coisas? O que é essencial para cada um? Não nos cabe definir um padrão mas refletir cuidadosamente sobre as nossas necessidades reais para uma boa vida.
O terceiro mito, o pior segundo Lynne, é o É Assim Mesmo. Nos mantém do jeito que estamos pois nos faz crer que, por mais que façamos, nada vai mudar. Então, por que fazer? Por que mudar? Isso paralisa a nossa vontade e ficamos a mercê do que a vida nos apresenta, não sendo mais protagonistas.
Acredito que estamos começando a buscar e encontrar as respostas. É claro que temos que mudar os nossos hábitos e costumes. Iniciar com os pequenos gestos e contagiar os que nos circulam ao, pelo menos, questionar. Reconhecer o que é essencial para cada um e não o que querem que seja. Começar a valorizar o importante.
Fazer circular aquilo que não pode ficar parado. Temos muito movimento de dinheiro pelo mundo mas será que ele circula? Rudolf Steiner diz que o dinheiro é como o sangue – quando para, gera trombose. O que seria fazer circular com mais fluidez o dinheiro? Se formos olhar para a circulação do dinheiro, perceberemos que, no final, o dinheiro sempre termina em doação. Ou seja, por mais estranho que pareça, tudo o que ganhamos e acumulamos ao longo da vida, parte foi consumido ou colocado em investimentos mas acaba terminando com nossos herdeiros, governos ou fundações.
Então, precisamos começar a questionar o que é essencial. Talvez percebamos que não necessitaremos acumular tanto mas que o necessário. A dificuldade é saber a medida do necessário mas teremos que descobrir.
Criticar a máxima de que “amigos , amigos, negócios a parte”. Amigos não são só para festas e viagens. Temos que voltar a criar juntos a partir dos valores comuns que nos unem e ter ambientes de amizade no trabalho. Isso resgataria a confiança e nos ajudaria a perceber que existem necessidades não atendidas por capacidades disponibilizadas por pessoas próximas. A colaboração é a fonte da prosperidade. Não é a toa que temos tantas iniciativas de redes e cooperativas vem frutificando e nos questionando nas formas de relação que geram resultados. O que podemos aprender com esta capacidade de, a partir da integração, gerar resultados rápidos e criativos?
Assim, perceberemos que somos muito suficientes. Que o tempo que temos é o tempo necessário para fazer o que precisamos. Que somos suficientemente eficientes, amorosos, compreensivos, produtivos e, fundamentalmente, humanos.