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Ao terminar de escrever este artigo, tive que retornar e mudar o seu título. O primeiro nome foi “A lógica do ilógico”. Depois, me lembrei da música do Belchior (e não do Zé Rodrix), eternizada por Elis Regina, “Como nossos pais”. Percebi que escrevi baseado no desejo dos pais que seus filhos sejam melhores do que eles, que tenham melhores condições de vida. As novas vidas nascem (ou deveriam) com mais esperança e possibilidades. Mas o que isso significa no contexto das empresas e instituições?

A vida organizacional tem, cada vez mais, o uso da razão como base das decisões. Novas fábricas, novos projetos e investimentos devem se provar como agregadores de valor. Logicamente, ninguém quer colocar recursos humanos, financeiros e tempo para perder! Isso é mais do que razoável. Pela minha experiência, tudo aquilo que não dê algum retorno sobre o capital investido, e de preferência no curto prazo, fica a “ver navios”. Alguns seriam desejáveis de fazer mas perdem a prioridade quando o tema retorno rápido entra como critério. A frustração dos mais idealistas é clara e até os mais racionais, no fundo, ficam com um gosto amargo na boca quando os critérios são só estes. Não há nada errado em decidirmos assim mas será que é só assim?

Na minha última ida a sinagoga para rezar pelo meu pai, ouvi do rabino uma abordagem interessante e que fez relação com o tópico deste artigo. Ao abençoar noivos que iriam se casar na semana seguinte, o rabino perguntou se o casamento é uma decisão lógica. Rindo da própria pergunta, ele continuou falando : “Será que continuaríamos com este decisão se colocássemos numa planilha o quanto o futuro irá custar – filhos, planos de saúde, etc..?”. E para finalizar, comentou : “Não casaríamos nunca!”

E é verdade! Se formos colocar na ponta do lápis as decisões mais importantes da nossa vida pessoal, não as tomaríamos. Por mais expectativas que tenhamos em relação aos filhos, a garantia do retorno sobre investimento feito neles (e que não é pouco- não só material mas, principalmente, anímico e espiritual) é quase zero.. Isso cria, em muitos pais, uma ansiedade e um dilema entre o que é preservação e o que é da liberdade do ser que colocamos no mundo. Mas cria, também, um olhar apreciativo e uma torcida que nos faz estar mais envolvido e conectado com o destino deles.

Mesmo não tendo filhos biológicos, na hora, meu lado paternal  acendeu uma luz amarela. Percebo que tive vários filhos sócio-espirituais, entre eles, um instituto e programas de desenvolvimento de liderança. Ambos são motivo de orgulho e de satisfação de ter tomado a decisão de fundá-los e de cuidar da sua criação. Só que, lembrando do processo de criação, não considerei, em nenhum momento, o retorno financeiro que ambos trariam. Até me preocupei em saber se poderia sustentá-los enquanto não tivessem vida própria mas uma vontade maior do que a lógica me levou a continuar com as iniciativas. Em ambos, tinha um grupo que sustentava e que queria a mesma coisa e que batalhou bastante para que ambas germinassem e florescessem.

As perguntas mais frequentes de meus clientes apontam para a falta de propriedade e de motivação das pessoas em relação às decisões organizacionais. E, para mim, veio a pergunta : qual é o espaço para “geração de filhos” que estamos tendo nas organizações? Traduzindo: o que consideramos como “nossa criação” dentro da responsabilidade que nos é cabida? Do que temos orgulho de termos criado nas organizações? E como podemos fortalecer um grupo para desenvolver objetivos comuns?

Muita coisa vem pronta, pouco reconhecimento (auto e eterno) do que é feito e quase nenhum momento de orgulho. Este é o ambiente que vivemos! Sendo assim, nos resta apelar para os números para, pelo menos, termos a certeza de que não incorreremos em erros.

Ora, caso continuemos a valorizar somente aquilo que é certo e sem risco, perderemos a capacidade de fazermos o novo, o que pode trazer o equilíbrio entre o sagrado-eterno e aquilo que está para vir. Números são fundamentais mas o impulso da vontade maior e a sua força para reunir um grupo são estratégicos para plantar um futuro diferente e mais coerente com o nosso desejo de sermos melhores. Filhos carregam uma herança genética e de valores mas também sua vontade e a sua própria identidade. O bom confronto entre estas forças é que faz a vida se transformar e evoluir.

É este campo que devemos criar nas organizações! Um espaço de aprendizado, de exercício e de criação capaz de fazer com que os indivíduos se sintam orgulhosos, cuidadosos e esperançosos de que o novo vai melhorar o mundo e a vida. De resgatar a confiança necessária no outro e no futuro. De poder trabalhar em conjunto para criar algo maior e onde depositamos o desejo por dias mais solares. A confiança que nos faz unir com outros (casar, morar junto,etc…)  e que, por mais que os números mostrem um panorama não muito favorável, é a energia que leva a que nós e os que criamos sejam melhores. Como queremos para nossos filhos…

 

Albergue em Alto Paraíso (GO) – Foto Selim Nigri