Ao longo da vida, fiz mais de 20 mudanças, habitei em 19 moradias e oito cidades, que me exigiram flexibilidade interior e me presentearam com amigos espalhados pelo mundo que conservo na alma, vivenciando a cada encontro a eternidade do tempo do coração.

O maior desafio foi desocupar o apartamento em São Paulo, onde morei por 15 anos (meu recorde!). Subestimei volumes, tempo, esforço e, principalmente, o desgaste emocional das escolhas. O que manter? O que desapegar?

Livros, registros de viagens, de fases da vida, alguns com dedicatórias que não reconheço. Para que guardar? Intenções de leitura para um momento que nunca chega? Qual o valor de um livro empoeirando na estante?

Roupas carregam eventos, lembranças, pessoas. Algumas nunca usadas, compradas num dia em que almejei ser outro alguém. A mesma blusa em várias cores, fruto da praticidade profissional, que se transformou em uniforme autoimposto. Roupas prediletas povoando minhas fotos por décadas, que não servem nem para doação. Roupas sociais de trabalho, mimetizando culturas e ambientes que não existem mais pós pandemia. Revisitando meu guarda-roupa, deparei-me com imagens de quem fui. A propósito, quem quero ser? Que roupas essa pessoa veste? Boa pergunta.

Objetos da biografia familiar que vão para a casa do filho testemunhar novas temporadas da mesma série. Quadros que carregam para a nova casa histórias a serem contadas. Ao final, muita gratidão e paredes brancas para novas impressões.

Como filha de militar, ao longo das muitas mudanças, aprendi com minha mãe a transformar casas com objetos deixados para trás em lar. Lar é algo que carregamos dentro de nós, quando “almeamos” um lugar. Em 2013, logo após a fundação da Lumo, aprendemos esse verbo num curso na California com o consultor Dennis Klocek.

“Almear” é quando permeamos algo físico com nosso amor, nossas intenções, nossa alma.

Morar ou trabalhar num lugar sem alma entorpece. Uma flor, uma foto, um objeto querido abrem janelas interiores.

Que espaços na vida você quer “almear”?

Por Vera Oliveira,

19 de abril de 2022.