Quem nunca se perguntou na vida: O que é que estou fazendo aqui? Eu faço essa pergunta muitas vezes por dia.

Sou Selim Nigri, quase casado, 53 anos, carioca, engenheiro e apaixonado por viagens, filmes e encontros. Desde os 12 anos, quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer, dizia : Piloto de Avião. Com óculos fundo de garrafa, nunca seria mas o desejo era de conhecer gente e lugares diferentes. Virei consultor de desenvolvimento organizacional e o desejo foi realizado de uma outra forma.

Voltando a pergunta inicial, se você ainda não a fez, você faz parte de uma minoria. Esse questionamento tem sido muito frequente nos mais diversos ambientes – na rua, em casa, nas organizações. Qual é o sentido de estar se fazendo o que se faz e onde se faz? E com quem se faz?

Se pensarmos que a cada encontro, você desenvolve a sua autoconsciência, se reconhecendo como indivíduo com seus princípios e valores, isso já nos traz um sentido. E se, a partir disso, você fizer as suas escolhas em liberdade, traz um significado.

Em 1990, logo após a queda do Muro de Berlim, percebi que havia um muro entre o mecânico e o humano na minha vida. Era bem sucedido profissionalmente, um consultor de sistemas e marketing, cumpria metas e era promovido. Vivia bem. A vida era meio que um relógio e o convívio com as pessoas era circunscrito àquelas que eu acreditava serem da mesma “classe”. Nesta mesma época, encontrei com o Silvio, de uma origem completamente diferente da minha, humilde, autodidata, do interior de São Paulo. A primeira pergunta é : “Será que vai durar? Somos tão diferentes socialmente!”

Não é que a vida tinha me trazido uma volta ao passado? Durante minha segunda infância, dos 7 aos 12 anos, um dos meus melhores amigos era o filho do porteiro, o Luiz Carlos. As tardes de brincadeiras, as festas mais animadas, as descobertas e o sonhos de criança eram com ele. Até viagens de tapete mágico tentamos fazer. Completamente diferente de mim mas, ao mesmo tempo, tão próximo. Aliás, se você perguntar ao seu funcionário mais distante algumas perguntas do tipo: “O que é felicidade?, “Quais são os seus sonhos? “, você perceberá que estão mais próximos do que distantes. Perdi o contato com o Luiz e com essa felicidade sem muitos recursos, com o pouco, e me deslumbrei com a vida cheia de “coisas”. E aí veio o Sílvio para me lembrar disso. Um encontro de re-conhecimento – alguém que você mal conhece já se dispõe a fazer companhia para você no aeroporto. Um novo tapete mágico. Já se passaram quase 27 anos. Somos cada vez mais parecidos sendo nós mesmos. Percebi que meu aprendizado e minha felicidade passa por entender e conviver com pessoas das mais diversas origens!

O outro encontro foi com a minha humanidade na atuação profissional. Trabalhava com reengenharia, quase um açougueiro – o pedido era para cortar custos, na verdade, pessoas. Com técnica e metodologia gourmetizada mas sem muito percepção do impacto nas pessoas afetadas. Tudo era possível – implanta um sistema, corta aquelas atividades e aí diminui-se o headcount. A partir da Antroposofia, que busca, entre outras coisas, respostas para “Quem sou eu, ser humano?” e que é a base do meu trabalho atual, se abriu um portal de resgate do humano – o açougueiro se tornou gente! Considerar a biografia num trabalho desta natureza e olhar a organização como um organismo vivo em cada fase de seu desenvolvimento. Tudo mudou! Os projetos se tornaram viáveis e respeitosos. O cliente participava ativamente das decisões em processos participativos genuínos. Uma conexão com o espiritual e com o reconhecimento do “humano” em mim e nos outros. Comecei a dormir melhor e a definir a minha missão: arquitetar encontros humanos para o desenvolvimento dos indivíduos e grupos.

Porque encontro o que e quem encontro? É Carma?

Todo encontro pode gerar Carma mas nem todo encontro é cármico.Saber diferenciar é uma arte mas tenho uma dica. Se alguém causa estranheza ou simpatia extrema num primeiro encontro, algo como uma sensação de dejá vu, e que não esteja ligado a algo físico, isso pode ser um sinal de encontros passados. Mas é melhor não começar a fazer regressão pois isso acaba no Egito com faraós e Cleópatras.

O importante é o que faremos no futuro! Cada encontro é uma chance de desenvolvimento do nosso EU ao percebermos as nossas reações e as consequências das nossas ações. Isso é Carma! Não é muito fácil colocar luz, ter consciência, sobre os encontros difíceis. No entanto, são neles que aprendemos sobre nossa missão e os resgates que precisamos fazer.

Quando fui questionado no primeiro projeto sobre a minha capacidade, fiquei com vontade de voar no pescoço do sujeito que duvidou de mim. Me segurei – o projeto era importante – e alguém veio em meu socorro, garantindo a minha permanência no projeto. Descobri uma raiva imensa e, ao mesmo tempo, gratidão na confiança depositada. Aqueles gestos – o do questionamento e o da confiança – me fizeram ficar focado e determinado a entregar o melhor de mim e da equipe. Foi um exercício de superação e, depois de 1 ano do sistema implantado, recebi um telefonema da mesma pessoa que me criticou, elogiando o sistema e a forma como conduzimos o projeto. Agradeço até hoje pelos dois seres – o que criticou e o que me garantiu.

Quando comecei como coach, me perguntava porque os clientes queriam ajuda para organizar o seu tempo comigo. Eu era a pessoa mais desorganizada com a agenda e tinha que ajudar as pessoas a organizar o tempo delas. Que caminho estranho a vida nos dá para percorrer para encontrar as respostas! Ou seja, tudo que vem até a gente tem a ver com a escolha que temos que fazer!

Falando um pouco mais do conceito de Carma, podemos achar que é só o lado negativo. Em todos os momentos geramos Carma, ou seja, enfrentaremos as consequências e impactos das nossas ações para que possamos aprofundar ou mudar as nossas respostas aos desafios. Uma marca é deixada para além da nossa vida terrena. Mesmo que você não acredite em encarnação, quer que as pessoas se lembrem de você ao partir de uma empresa ou da vida. Hoje, quase todos falam do esgotamento dos recursos da Terra. Então, porque ainda há questionamentos ou estamos lentos nas decisões que afetam o planeta? Quando conduzimos os workshops de Sustentabilidade para o ABN Real em 2005, percebi que só com uma visão que transcendesse as gerações futuras é que compreenderíamos a real necessidade de cuidarmos, não só do meu entorno e da minha família, mas do planeta. Qual é a pegada ou o legado que você quer deixar? Caso você volte ao planeta daqui a alguns séculos, que árvore quer ver plantada por você? Depende se você plantou sementes ou só extinguiu a vida.

Indo para os grupos de trabalho, isso também vale. O que esse grupo está exigindo de mim? O que estou gerando neste nessa organização? E, como grupo, porque estamos juntos neste momento? Qual é o nosso chamado? Será somente o atendimento aos acionistas a fonte de uma motivação? Por outro lado, porque voltamos a trabalhar o propósito? Porque isso nos lembra do que realmente temos que fazer. Acho que estamos começando a entender o conceito de carma e da liberdade. Porque quero pertencer a um grupo? Para voltar ao útero materno com calor, proteção e amor incondicional? Ou para encontrar quem sou realmente?

Trabalhamos com muitos grupos de executivos e, por várias vezes, começamos fazendo uma linha do tempo dos indivíduos – como chegaram ao momento atual. É surpreendente ver as pessoas reconhecendo os fios do destino se cruzando. Ver as coincidências em vidas tão diferentes, ver sonhos querendo ser realizados. Já traz um porquê estamos juntos. Quando começamos a ter intenções comuns – e as temos muito mais do que pensamos -, estamos gerando energia para uma ação consciente. Quando identificamos que a busca é comum, isso se reforça. E, cada um tem com seu papel, seu desafio e sua contribuição, ou seja, seu próprio Carma.

Isso aconteceu comigo e com os meus sócios. Estávamos fazendo um curso de observação de fenômenos da natureza em Floripa e, percebemos que todos tinham esse traço de olhar para o horizonte e para o futuro e que viagens e outras línguas nos eram comuns a todos. Ao nos perguntarmos sobre as intenções futuras, encontramos que o nosso propósito – ou Carma – era revelar, trazer e ajudar as organizações e indivíduos a manterem a sua luz e chama acesas. Daí o nome Lumo que, em esperanto, significa Luz.

Carma não se pega de outros. Não é contagioso. É você com você mesmo, sendo protagonista e responsável por todos os atos. Com consciência e liberdade. E podemos voltar a pergunta : o que estou fazendo aqui na vida?

Um última história surgiu quando eu preparava este artigo. Meu pai faleceu em 1994. Na sua missa de 7o dia, entrei na Sinagoga e me deparei com 500 pessoas. Fiquei muito feliz num dos momentos mais tristes da minha vida. Feliz de ver como aquele homem silencioso afetou a vida de tanta gente, fez tanto bem e estava sendo honrado. Vi as consequências dos seus atos e como filho, me alegrei. Quantas pessoas estarão no meu velório? Não sei mas me preocupo em, cada vez mais, ter mais responsabilidade e, em liberdade, decidir em cultivar e praticar a verdade, a beleza e a bondade.