Fiquei horrorizada quando um namorado disse amar os quadros do Francis Bacon. Como alguém pode amar o “feio”? Anos depois, vi-me gostando de trabalhar com coaches rotulados como difíceis, irascíveis, alguns com denúncias de assédio moral.

Desrespeito e assédios são inaceitáveis, devem ser denunciados e tratados com rigor. Com frequência, envolvem problemas psicológicos. A questão é: que chances damos para aqueles que reconhecem que extrapolaram limites, erraram e, genuinamente, querem mudar?

Em coaching, trabalhei com algumas destas pessoas especiais, que passei a admirar pela sua coragem e capacidade de reinvenção. Bem intencionadas, inteligentíssimas, obcecadas pelo resultado, “sincericidas” e, também, incapazes de ler os sentimentos alheios. Não perceber seu impacto nos outros pode ser algo devastador para um líder.

Tudo muda ao sentirem a dor que suas palavras e atitudes trazem para as pessoas que feriram. Emociona ver a mágoa pela incompreensão das suas intenções e ouvir “não quero ser essa pessoa que estão descrevendo”. Só psicopatas têm prazer em infligir dor no outro.

Mudar demanda resiliência, pois obstáculos não faltam. Desconstruir a autoimagem e as crenças que trouxeram sucesso até aqui põe a autoestima no pé. Perdoar a si mesmo e ao outro (a vítima que denuncia vira algoz do denunciado) é uma jornada para a vida. Livrar-se dos rótulos é tão desafiante quanto mergulhar nas próprias sombras.

Conheço pessoas que saíram da organização para viver seus novos comportamentos sem julgamentos. E outras que foram promovidas ao evidenciar sua evolução.

Feedbacks apreciativos espontâneos (como os de nossos filhos) têm um valor incomensurável. Leveza, empatia e bom humor são novos indicadores de sucesso.

Através do ampliado interesse pela dimensão humana, como em uma operação de catarata, torna-se possível perceber com mais nitidez o seu impacto sobre o outro.

Em meio a tanta intolerância, como apoiar a mudança de quem, aprendida a lição, se predispõe a ser melhor hoje do que foi ontem?

 

29 de junho de 2021,

Por Vera Oliveira.